segunda-feira, 26 de março de 2012

A arte de traduzir poesia

O escritor e professor Paulo Henriques Britto expõe sua visão de tradução e explica, com exemplos práticos, todos os elementos que devem ser levados em conta na tradução poética.
Por: Paulo Henriques Britto
Publicado em 24/03/2012 | Atualizado em 24/03/2012

A tradução é uma forma de reescrita; traduzir é reescrever um texto numa língua diferente. O objetivo é produzir um texto que possa substituir o original, para aqueles que desconhecem o idioma em que ele foi escrito. O tradutor é, pois, um tipo específico de autor.
O ofício do tradutor é semelhante ao do ator: ele exige do público a “suspensão voluntária da descrença”
Visto, porém, de outro ângulo, seu ofício é semelhante ao do ator: ele exige de seu público o que o poeta e crítico romântico inglês Samuel Taylor Coleridge chamava de “suspensão voluntária da descrença”. 
Quando vou ao teatro – um teatro convencional –, sei que o ator que vejo à minha frente é um ator; voluntariamente, porém, ponho de lado esse conhecimento e, num outro nível da minha consciência, encaro-o como se ele fosse Hamlet, o príncipe da tragédia de William Shakespeare, suspendendo minha atitude de descrença em relação à existência real de Hamlet e à identificação entre ator e personagem. 
Do mesmo modo, quando leio uma tradução de Liev Tolstói ponho entre parênteses, por assim dizer, meu conhecimento do fato de que estou lendo um texto em português produzido por um tradutor brasileiro, e faço de conta que o livro que tenho nas mãos foi escrito por um autor russo em seu próprio idioma.  


Contar a história e imitar o estilo

O trabalho do tradutor exige que ele não apenas conte a mesma história contada por Tolstói, mas também que imite as peculiaridades de Tolstói como escritor, aquilo que encaramos como suas marcas de estilo: seu jeito de apresentar os personagens, de comentar toda a ação de um plano superior que lhe confere uma autoridade quase divina, sua maneira de utilizar a sintaxe etc.
O produto final da tarefa do tradutor tem que ser um romance em português, e mais: um romance em português que pareça, de algum modo, ter sido escrito por Tolstói.
Todas as exigências feitas à tradução de um texto em prosa ficcional se impõem ao tradutor de poesia
Todas as exigências feitas à tradução de um texto em prosa ficcional se impõem ao tradutor de poesia. Quando me proponho a traduzir um poema de Emily Dickinson, meu objetivo é produzir um texto que seja um poema em língua portuguesa e que também seja, de algum modo, um poema de Dickinson. 
É preciso ‘dizer a mesma coisa’ que Dickinson diz, e também dizê-lo do modo como ela o diz no inglês, um idioma muito diferente do português. Mas no caso da poesia, a exigência de escrever à maneira do autor original tem implicações drásticas. Na prosa de ficção ocidental parece possível, ao menos à primeira vista, estabelecer prioridades: há uma história a ser contada, que envolve determinados personagens num meio físico e social determinado; recriar isso seria o objetivo fundamental do trabalho do tradutor.

Acesse a reportagem completa em : http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2012/290/a-arte-de-traduzir-poesia