terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A memória é a lição

Professora de português aposentada faz livro que narra toda a sua trajetória profissional. A obra confunde-se com a história do ensino no Brasil nos últimos 30 anos.
Por: Thiago Camelo


Em determinada passagem do recém-lançado livro Aprendiz de professora: o aluno desarrumado e outras histórias, Ynah de Souza explica aos mais novos para que serve o giz e o que é quadro-negro.
Souza, professora de português aposentada, com quase 20 anos de aulas no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco no currículo, explica:
“É claro que tem um pouco de ironia, de provocar as pessoas que acham que aula agora é só com computador e alta tecnologia. Mas o comentário também serve para tornar o livro mais atemporal, já que alguém pode lê-lo daqui a dez anos, quando é factível que um jovem de fato não saiba mais o que é um giz.” 
Essa preocupação com a memória é, no fundo, o cerne do livro escrito por Souza. São 146 páginas que contam a trajetória de uma professora no Brasil. Claro que é apenas uma trajetória, entre tantas possíveis, num país com um sistema educacional bastante heterogêneo.
Mesmo assim, ler o relato do percurso de Souza – de professora ‘caloura’ num colégio no interior do Rio de Janeiro a titular de uma das escolas públicas mais respeitadas do país – ajuda a compreender as mudanças por que passou a educação nacional nas últimas três décadas.
Os vários artigos do livro foram escritos no decorrer de todos esses anos e publicados em revistas e páginas de internet voltadas para a educação. A professora incluiu, no entanto, comentários atuais nos textos. Assim, foi possível estabelecer um diálogo entre expectativas do passado e realidade do presente.
E é curioso como esse tipo de diálogo entre passado e presente se dá. Por exemplo: Souza acompanhou o começo da entrada dos computadores nas escolas, ainda na década de 1990. Escreveu, inclusive, texto em que pedia atenção para “o novo milênio”, que chegava “inaugurando uma época de mudanças e inovações”.

Diálogo e exemplo

Olhar retrospectivamente esses textos faz com que, inevitavelmente, o leitor entre numa competição de ‘certo ou errado’ com a opinião da professora. Esse jogo não incomoda Souza, que afirma sempre privilegiar o diálogo e a troca de experiência – mesmo que haja discordância.
“Os novos professores precisam de uma referência, de alguém que goste de fato do que faz”, diz a educadora, que, depois da aposentadoria, passou a orientar novos professores de português. “Já recebi abraço em evento sob a justificativa de que era a primeira professora feliz que a pessoa tinha visto. Isso faz pensar na nossa profissão”, completa.
Os relatos de Souza não se detêm apenas em questões abrangentes como tecnologia em sala de aula. Alguns casos são relatos de situações bem específicas, como o que empresta nome ao título do livro.
O tal “aluno desarrumado” era uma estudante que não conseguia organizar o material de sala de aula ou guardar as regras da gramática. Esse fato fez com que os seus pais cobrassem da professora a aplicação de apenas um livro que reunisse todos os textos e exercícios – uma gramática grossa e convencional, que ensinasse na base da decoreba.
Souza aproveita o mote dessa discussão específica para desenvolver sua visão do ensino de português, no qual as regras podem ser aprendidas a partir do uso oral e escrito da língua.
“Tenho muito interesse na área de livros didáticos”, conta a professora. “Existe um monopólio editorial no eixo Minas Gerais, São Paulo e Paraná; morar no Recife faz com que eu tenha vontade de fazer obras ligadas à realidade daqui”, diz Souza, com o sotaque nada pernambucano que entrega sua origem carioca.

fonte: Ciência Hoje (http://cienciahoje.uol.com.br/alo-professor/intervalo/2012/01/a-memoria-e-a-licao/view)