quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A importância da leitura como identidade social


Identidade social é a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, construída por meio de sua vivência, na qual estão incluídas suas leituras e (re)leituras da vida e também dos livros


Por Simone Strelciunas Goh
É notória e já foi cotejada em inúmeros textos a importância da leitura. Daremos continuidade a essa discussão; entretanto, tomaremos como norte não apenas a importância da leitura, mas o tipo de leitura que se faz importante e como se configuram seus leitores.
Ingedore Villaça Koch e Vanda Maria Elias apontam para três perspectivas de leitura: a primeira, cujo foco está centrado no autor, que se mostra um sujeito individual e produz seu texto por meio da língua, entendendo-o como um produto do seu pensamento. A leitura aqui é vista como um ato de captação de representações programadas. Essa visão se distancia do que conceitua Goodman, para o qual a leitura é uma atividade que se estabelece entre o pensamento e a linguagem. Todos os gêneros podem proporcionar esse tipo de leitura em que o leitor parte deste princípio: vê o texto como um produto acabado, cujas ideias representam máximas a serem aceitas, sem reflexão.

A segunda perspectiva de leitura tratada por Koch e Elias centra-se no texto: a língua é vista como um código tanto pelo autor quanto pelo leitor e a leitura se dá apenas no nível do enunciado, tudo está dito no dito. A maioria dos livros que aparecem na lista dos mais vendidos pode proporcionar esse tipo de leitura linear. Tudo é desvendado para o leitor pelo texto, por meio de descrições e diálogos, pelo explícito. O livro de mistério mostra o mistério em cada página, o envolvimento romântico é desnudado a cada linha; página lida, informação recebida; página virada, parte-se para outra informação, esquecendo-se da anterior, sem reflexão nenhuma.
Choramos, rimos, a cada página surgem novos sentimentos, advindos dos adjetivos adequados e de marcas de oralidade que dão o tom de realidade ao discurso. Contudo, ao terminar o livro, esquecemos aquele mundo, a leitura não nos fez mais gente, não revisitamos nossos pensamentos, o mundo real continua o mesmo, nem mais feio, nem mais bonito. Tal leitura não torna o leitor consciente de seu papel. Podemos dizer que esse é um tipo de leitura linear, em que preocupação do leitor está voltada apenas para as palavras e a estrutura textual.
Monteiro Lobato repudiava esse tipo de leitura, em suas cartas endereçadas ao amigo e também escritor Godofredo Rangel, editadas sob o título de A Barca de Gleyre, relatou as dificuldades de produzir um texto em que os "enfeites literários" não fossem os mais importantes.
Chegou-me afinal o livro infantil - mas não é livro infantil. Não é literatura para crianças. É literatura geral. (...) A coisa tem de ser narrativa a galope, sem nenhum enfeite literário. O enfeito literário agrada aos oficiais do mesmo ofício, aos que compreendem a Beleza literária. Mas o que é a beleza literária para nós é maçada e incompreensibilidade para o cérebro ainda não envenenado das crianças. (...) Não imaginas a minha luta para extirpar a literatura dos meus livros infantis. A cada revisão nova nas novas edições, mato, como quem mata pulgas, todas as "literaturas" que ainda as estragam. Assim fiz no Hércules, e na segunda edição deixá-lo-ei ainda menos literário do que está. Depois da primeira edição é que faço a caçada das pulgas - e quantas encontro, meu Deus!
Monteiro Lobato, em A Barca de Gleyre , como citado em Metalinguagem e marcas de oralidade em Monteiro Lobato, de Simone Strelciunas Goh. Grifo nosso.
O autor não enxerga o seu texto como algo acabado, mas vê no leitor uma voz diferente da sua, que vai a busca de perguntas, não enxergando o texto apenas como resposta para suas dúvidas ou aflições.
O leitor que assim se configura como "leitor ideal" é temido pelo escritor, pois de certa forma irá subverter seus pensamentos na busca por infinitas interpretações. Machado de Assis tinha plena consciência da importância dos leitores como reconstrutores de seus pensamentos, o Bruxo do Cosme Velho tratava-os de forma especial, indagando-os. O grande escritor trazia para cada página de seus livros o inesperado, forçava os leitores às inferências, inquirindo-os a construir a história com ele.
Conceituados os tipos de leitura, verifica-se que o problema não reside no ato de ler em si, mas como ele é norteado. Todos somos leitores (não discutiremos aqui sobre os níveis de letramento), até Fabiano de Vidas Secas é um leitor na medida em que lê (de sua forma) as linguagens de seu meio, mas não lê a palavra escrita, está longe de ser um leitor comum, quiçá ideal.
Um dos nossos objetivos é incentivar a leitura de textos escritos, não apenas daqueles legitimados pelos acadêmicos como "boa leitura", mas os escolhidos livremente. Pela análise dos números da última Bienal do Livro realizada em São Paulo, constata-se que "ler não é problema", pois, segundo o Correio Braziliense de 25 de agosto de 2010, cerca de 740 mil pessoas visitaram os stands que apresentaram mais de 2.200.000 títulos. Mas, perguntamonos: os livros expostos e os leitores que lá compareceram se encaixam em qual tipo de leitor? Podemos afirmar que todos os livros foram escritos para um leitor ideal, reflexivo, que dialogará com os textos?
Muitos livros vendidos na Bienal têm como foco a primeira e a segunda visão de leitura, seus autores enxergam o texto como um fim em si mesmo, apresentando ideias prontas, ou primando pelo seu trabalho como um objeto de arte, em que o domínio da língua é a base para a leitura.
Assim, cabe-nos refletir inicialmente sobre como transformar um leitor comum em leitor ideal, um cidadão pleno em relação a sua identidade. A construção da identidade social é um fenômeno que se produz em referência aos outros, a aceitabilidade que temos e a credibilidade que conquistamos por meio da negociação direta com as pessoas. A leitura é a ferramenta que assegurará não apenas a constituição da identidade, como também tornará esse processo contínuo.

Para tornar isso factível podemos, como educadores, adotar estratégias de incentivo, apoiando-nos em textos como as tirinhas e as histórias em quadrinhos, até chegar a leituras mais complexas, como um romance de Saramago, Machado de Assis ou textos científicos. Construir em sala de aula relações intertextuais entre gêneros e autores também é uma estratégia válida.
A família também tem papel importante no incentivo à leitura, mas como incentivar filhos a ler, se os pais não são leitores? Cabe à família não apenas tornar a leitura acessível, mas pensar no ato de ler como um processo. Discutimos à mesa questões políticas, a trama da novela, por que não trazermos para nosso cotidiano discussões sobre os livros que lemos?

Fonte:http://linguaportuguesa.uol.com.br/linguaportuguesa/gramatica-ortografia/32/artigo235676-1.asp

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Queremos fazer de nossas crianças “Marias”?

O post “Infância Sustentável”, publicado na semana passada aqui no Giro Sustentável, mencionava a importância da educação e do exemplo como a melhor e única maneira de influenciar os outros.
Ao pensar nisso, e levando em consideração o âmbito familiar como primeiro grupo de contato que a criança tem, surge uma discussão delicada. A família é vista como principal responsável por desempenhar algumas funções básicas para a educação e o desenvolvimento dos mesmos.
E isso está previsto inclusive no quarto artigo do Estatuto das Crianças e Adolescentes (ECA): “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
Estudiosos da área afirmam que é por meio da família que garantimos a sobrevivência, o desenvolvimento e a proteção integral dos filhos, e demais membros. E, mesmo com todas as mudanças sociais, econômicas e morais que vivenciamos ao longo dos anos, a família continua tendo papel decisivo.
É nela que as crianças e adolescentes absorvem os valores éticos e humanitários e onde aprofundam os laços de solidariedade. O curta metragem “Vida Maria” (veja abaixo), traz um exemplo da relevância da família na vida das crianças.
Pensando nisso, pergunta-se: Estamos cuidando do nosso ambiente familiar? O que estamos ensinando aos nossos filhos? Será que queremos fazer de nossas crianças “Marias”?

Acesse o site e assista ao vídeo.

http://www.gazetadopovo.com.br/blog/girosustentavel/?id=1176453&tit=queremos-fazer-de-nossas-criancas-%22marias